Eu ouço
“Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí.” (Gilberto Freyre)
3 O QUE ACHOU DO TEXTO?:
Desculpem a intromissão, mas me permitam fazer alguns apontamentos necessários: "Eu ouço" foi escrito em uma métrica clássica, realmente expressiva, mas ao analisar com um pouco mais de calma, podemos descobrir algumas discordâncias com a realidade. Podemos citar, em primeiro lugar, o sistema (mais do que econômico) capitalista, onde a graduação classista IMPEDE, categoricamente, que proletários citados no lindo poema participem do "avanço", sendo apenas massa de manobra, servis da máquina capital desleal,excluindo os demais, onde a burguesia procria o sistema, gerando um ciclo que até onde vemos, não tem fim. Na visão do autor do lindo poema que desconheço, acredito pessoalmente que o mesmo se utilizou de uma "cartada" literata, dos tempos remotos, onde a natureza e o homem usufriam de uma ligação vertical, próxima, entretanto, hoje, nos tempos hipermodernos, o vinculo do "eu" com o "nós" é horizontal, em miúdos, de interesse, o bom e velho "toma-lá-dá-cá". Em um tempo de desbussolados, o poema que lemos deixa a desejar para com a realidade, é enfim, um grito que não pode ser ouvido, um murmúrio imperceptível aos ouvidos capitais.
Atualizei meus dados do Blogger agora, mas o erro foi todo meu de não me apresentar - prazer, meu nome é Breno e espero ter prestado algum esclarescimento sobre o poema de vocês, parabéns pelo belíssimo trabalho e continuem produzindo!
Abraços!
Toda opinião, desde que respeitosa, é bem vinda aqui no INEXPLICAÇÕES.
Concordo com seu ponto de vista. Mas não esqueçamos que a beleza de um texto está nas entrelinhas, no que o autor deixou subentendido. Não importa se lindo ou feio o escrito, importa a emoção que o autor quis passar e que, muitas vezes só ele poderia esclarecer certas questões.Talvez venha daí o real sentido de escrever... É interessante perceber o lado do autor e não somente com forma crítica....Vários lados, vários sentidos, varias visões...eis a graça da literatura.
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